quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Homenagem a faculdade de Letras (e obstetrícia)* da UFPEL

*Letras e obstetrícia porque lá, tudo era um parto
Olha o que eu escrevi há um tempo atrás,quando estava no 6º semestre da faculdade de Letras da UFPel. Aliás, uma das melhores do Brasil. Fiquei feliz ao ver essa notícia, quentinha, saída do site (clique aqui)
Não fiz Enade, fui dispensada porque me formei em agosto. Em homenagem a minha faculdade, vai o meu texto.


Sistema socioeconômico contemporâneo e a educação das massas ludibriadas

Mulher Indigesta


"Se pós-modernidade quer dizer um estágio à frente da modernidade, não se pode cogitar escrever qualquer coisa que não seja profecia. A pós-modernidade ainda não chegou. Mas, se a proposta for nomear a contemporaneidade, melhor se falar em Idade Media Moderna, nomenclatura mais eficiente para este inicio de século XXI. E a educação sofre as influências de um tempo de trevas, mas com uma semente de esperança.
Educação é um processo que promove a conscientização das pessoas e, conseqüentemente, a sua mudança em relação ao mundo. Para tal conscientização acontecer, há um processo de ensino-aprendizagem, que acontece naturalmente durante a vida do individuo, e o ensino dirigido, tratado nas escolas, cursos, estágios, etc. A sociedade contemporânea ensina de um jeito, mas o professor deve ensinar de outro. Por quê?
O mundo ensina o tempo todo. A sociedade ensina e condiciona os indivíduos desde os processos mais amplos de organização social, como o sistema econômico (de exclusão ou inclusão social), o sistema de governo (democrático, teocrático, ditador, monárquico, anarquista), as relações raciais e sócio-culturais (racistas, nazistas, sionistas, tolerantes, patriarcais, matriarcais). Dependendo desse jogo social, educa-se um cidadão para que ache normal negros e mulheres terem subempregos, datas comemorativas específicas, poder econômico limitado, voz secundaria na opinião pública.
No caso especifico da educação brasileira, esta já está situada numa sociedade, no mínimo, hipócrita: machista nas relações de trabalho, mas nas relações familiares a figura masculina é coadjuvante. Legalmente, é constitucional, democrática, presidencialista, com voto direto, livre e secreto, mas a liberdade de manipular os votos através de uma imprensa parcial e interesseira e de leis de barreira que anulam partidos “pequenos” não dão liberdade ao povo, ao contrário, o voto obrigatório nestas condições é um atentado à liberdade.
Na contemporaneidade, outra chaga: a mídia. Acessível a quase todo mundo, não só repete este modelo degradado, como dita as relações familiares, o comportamento social, o relacionamento consigo mesmo. Assina embaixo de todos os preconceitos e desmoraliza a educação. Ninguém alcançou a fama até hoje pelo desempenho na escola, pela superação da exclusão através da educação, mesmo com muitos exemplos na vida real. A mídia é preconceituosa e, através de suas produções medíocres, trata de temas polêmicos com irresponsabilidade, leviandade. Atualmente, chegou a nível tão baixo, que faz abertamente propaganda do turismo sexual brasileiro. Tudo forma de degradar uma sociedade fragilizada pela pobreza e pela desigualdade.
Só para finalizar (a pior mazela de qualquer sociedade), as diferenças sociais estão alarmantes. As desculpas esfarrapadas para a manutenção da ordem feudal eram bem mais românticas e toleráveis do que a justificativa abertamente lucrativa que temos hoje.
Neste contexto social caótico, o professor tem duas, e apenas duas, posturas: ou corrobora com esta ordem social, ou a subverte. Não adotar uma delas é, necessariamente, adotar a outra.
É necessário transpor a sua função meramente específica (lecionar português, matemática, física, história...) para conscientizar seus discípulos sobre as relações que os cercam. E mais ainda, ter a responsabilidade de justificar a matéria que ministra como meio de vencer tabus sociais e paradigmas arcaicos. O professor de Português tem dois instrumentos poderosíssimos nas mãos: a língua e a literatura. Especificar o que cada uma pode trazer ao aluno (principalmente ao excluído) como forma de crescimento individual e poder social, é função inerente ao professor de português e línguas estrangeiras.
A língua portuguesa, no Brasil, é oficial, reconhecida em lei. Um grupo da elite intelectual brasileira se reúne para conspirar e definir como deve ser a língua oficial, a língua que vale, a língua certa. Forma de homogeneizar a língua, trazer a unidade nacional? Não da forma que é imposta. É um instrumento de exclusão social, uma violência às variantes, um desrespeito à variedade étnica, à extensão gigantesca do país. Porém, conhecer as armas do opressor é fundamental. Dar a conhecer a língua normatizada, sem desfavorecer ou deixar de trabalhar a variante do aluno, é dar condições de o aluno combatê-la.
A literatura é um caminho, uma saída, é o contato com a arte que necessita de mais dedicação para ser decifrada, é a melhor arte para conhecer o mundo, a si mesmo e aos outros. É proporcionar ao aluno a emoção, o sentimento, a sensação. Literatura é sabedoria, intertexto e liberdade. É um mundo paralelo que entra no mundo pseudo-real em que se vive. É, talvez, o único mundo real. Proporcionar a leitura é estimular o pensamento, a subjetividade, a criação de significado para o mundo. É a única medida eficaz na aprendizagem da língua. Negar a leitura aos alunos é a atitude mais reacionária e cruel que um professor de línguas pode tomar.
Mostrar, através da conscientização dos mecanismos sociais e de exclusão que vivem os alunos, que a educação é uma arma, é ser franco com os cidadãos que estão nas salas de aula, tão carentes de respeito e de esperança e é um dever do professor, uma vez que é, também, um cidadão oprimido."
Meu cargo na UNESCO eu assumo quando?
Tá bom, não é pra tanto. Nem concordo mais com algumas coisas que escrevi. Tem trechos que acho irritantes. Mas acho que ele merece ser publicado, nem que seja por vaidade.
Só uma coisinha a mais: um dos quesitos avaliados pelo MEC para certificar como a melhor do estado a faculdade de letras da UFPel é a infraestrutura. Gostaria de ver como isso foi avaliado. A faculdade funciona em vários prédios, muitos alugados a preços estratosféricos, em outras instituições de ensino e até, pasmem, em cima de um estádio de futebol. Será que houve alguma manipulação nessa informação? Nunca sabíamos direito onde seria a aula. E o prédio da faculdade, além de muito pequeno, era na avenida Bento Gonçalves, a mais movimentada de Pelotas. Era um caos. Será que contaram ao MEC que a faculdade de Letras NÃO TEM BIBLIOTECA?
Adoro minha faculdade, mas não posso fechar os olhos para esse resultado suspeito.

Um comentário:

  1. Lembro de um grupo de acadêmicos que chamavam a dita faculdade de Faculdade Arcaica (em muitos casos, a vanguarda pensava como os militares de 64) de Letras e Obstetrícia (como dito, tudo era um parto), perfazendo assim a sigla FALO. Perfeita pra algumas situações vividas lá.
    Mas parece que as coisas estão mudando. Ganharam um prédio novo (creio que seja adequado) e teve concurso pra professor efetivo (quase triplicou o número). Claro, isso tudo esse ano. Quando a avaliação foi feita pelo MEC, as condições eram iguais (ou piores) às que contaste aqui.

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