domingo, 20 de junho de 2010

Agora que Saramago já é cinza no fundo das águas das Ilhas Canárias e nos campos do Ribatejo, resolvi fazer-lhe uma pequena homenagem. Homenagens quando da sua morte foram muitas, e optei por não tocar no assunto quando era muito recente. Não sei porque sinto que prestar estas homenagens póstumas (alguém aí já descobriu o antônimo de póstuma?) é piegas, e pode parecer superficial e leviano. Mas não é.
Só quero compartilhar uma experiẽncia de leitura do Evangelho. A edição que li tinha aspecto de Bíblia, capa verde-escuro, letra gótica, em dourado. Nem é preciso ser o Professor JOão MAnuel pra fazer a comparação da capa com o texto. Bom, lá estava eu, lendo a versão subversiva do Evangelho, quando, no meio da ambientação perfeita da Palestina dos tempos de Cristo, sentindo o vento do deserto, o cheiro do Jordão, o Diabo fala a Cristo que talvez Deus seja apenas um dos heterônimo de Pessoa. É tão forte essa volta ao presente, essa intromissão de Pessoa na história de Cristo, é tão profundo o estado de absorção naquela história, que parece que sim, Deus existe e conhece Pessoa. Em nenhum momento o autor é intruso, não se faz nenhum gancho com a posteridade, ele mostra todo o poder de Deus e do diabo sobre o tempo que traz a figura de Pessoa e seus heterônimos como cousa (homenagem) conhecida. É uma maneira de santificar Pessoa, de atribuir-lhe uma santidade, um reconhecimento divino.Saramago era mesmo especial. Ainda bem que não morreu. A obra dele tá aí. Piegas, mas muito verdadeiro.
De resto, é só se confortar pela sua morte serena, tranquila, ao lado dos familiares, rodeado de glórias, já velhinho. É, Deus não é tão mau com os ateus. Ainda bem, senão estaria perdida.

Um comentário:

  1. O antônimo de póstomo bem que poderia ser préstimo.
    E provavelmente Deus exista e seja leitor de Pessoa. Ou melhor, de pessoas. Ou pior, de todos os heterônimos do bardo. Também seria Deus quem estava ditando o próprio Evangelho ao Saramago, só pra dizer umas verdades aos cegos e os que não sabem ler?
    Tudo oportuno num momento em que a religião tenta tomar a frente até do horário eleitoral.

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