sexta-feira, 12 de junho de 2009

Lavoura Arcaica

Despretensiosamente, assisti ao filme Lavour'Arcaica , de Luiz Fernando Carvalho. Disponho-me a fazer uma pequena crítica, não do filme, nem do livro Lavoura Arcaica de Raduan Nassar, do qual foi adaptado (ou recriado), mas uma crítica sensorial, quase orgãnica, das duas obras, tão próximas pela narratividade e história e, contudo, tão impossivelmente comparáveis por pertencerem a "fazeres" diferentes da arte. Aqui, só coloco as palavras na sua lexicalidade mais singela, e não usarei, conforme possível, expressões acadêmicas. Não saberia fazer uma crítica cinematográfica ou literária, o que decepciona deveras tendo sido eu aluna do Professor João Manuel dos Santos Cunha. Sou apenas uma pessoa comum que sabe a diferença entre livro e película e lê com olhos de ler e assiste com olhos de assistir. Busca na obra que aprecia o que ela tem para oferecer e não se preocupa em estudá-la ou criticá-la quando a vê. Faço questão de ser assim. Teses, só para o mestrado, porque é obrigatório. A arte não é pra isso.
Sou aquele expectador que ainda não sabe direito se gostou ou não do que viu. O que fica na mente é aquela sensação de desconforto, de desequilíbrio, semelhante àquela sensação de ter chorado há poucas horas ou a ardência azeda que fica na língua após ter comido um doce. Uma lembrança já diferente daquela vivida no momento da emoção. Experimentoe suspirar fundo depois de chorar. O suspiro fica entrecortado. Os olhos ficam lavados, o ritmo cardíaco e a respiração diferentes. Depois de assistir ao Lavour'Arcaica, é assim que me sinto.Um não-sei-quê na memória, toda a hora me chamando a lembrar o que vi e ouvi. Uma certa tendência a repetir gestos e modos das personagens ou do narrador. As palavras que vêm ao pensamento e o ritmo dos pensamentos não são os nosso originais. Quem lê, sobretudo, cria novos engramas, quem não lê, pensa sempre pelo mesmo caminho. Quem olha Lavour'Arcaica pensa um pouco como Luiz, quem lê Lavoura Arcaica fica um pouco Raduan.
Poucas traduções de literatura para cinema agradariam tanto ao primitivo leitor, que procura no cinema o fiel desenrolar da sua história literária. Muito devido à primeira obra (o livro), ter sua dose de cinema, na construção de cenas, no enquadramento, na descrição da luz, nos cortes. E também, pelo cinema ter muito de literário. Quem não leu Lavoura, de Raduan, ainda não entrou no mundo onde nascem os pensamentos e em que os sentimentos pesam e tem cheiro. E se for pra falar na história, no enredo, é bom advertir que Raduan brinca na beira de um penhasco e espicha o pescoço pra olhar o precipício, aquela gelada vertigem. Preparem-se, leitores, para se sentirem perturbados e culpados por fazerem parte da história de Ana e André. E é bom que isso aconteça, pois a partir desse sentimento, junto com todo o magnífico restante, que deixará as suas línguas azedas e seus suspiros entrecortados.
Alguém ainda duvida de que sou verborrágica?

2 comentários:

  1. Puxa, meu suspiro ficou entrecortado lendo esse post.
    Não chamaria de verborragia, considerando que tudo aqui é encadeado (mas nada em cadeado). Acho que chamar de cardiofilosoporrágica, conforme conceito tonzeniano. Pronto, agora o comentário ganha um tom de academicismo...

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